17/10/2018

Santos e alucinação

Mario Umetsu: canonização


Maria Teresa Noblet e Teresa Newmann viajavam na batatinha mas provavelmente foram santas em alto grau. Visões, falsas profecias, mitomanias e crises histéricas não impedem a canonização de ninguém, mas só dificultam as investigações.

Recordo pela enésima vez que o criador do atual código de canonizações reconhece claramente que qualquer santo pode se alucinar alguma vez.
Mario Umetsu
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Mario Umetsu
15 de setembro

: alucinação nos santos 

Não somente alucinações, mas também ilusões, permeiam toda a história da mística cristã e não se excluem nem mesmo sobre a vida terrestre dos santos.
Tal pressuposto está exposto na obra especialmente confeccionada para as etapas oficiais dos processos de canonizações, a "De Servorum Dei Beatificatione et Beatorum Canonizatione", de autoria de Próspero Lambertini, papa de 1740 a até 1758, em quatorze densos volumes.
Amparado por Lancicio, Bento afirma textualmente que pessoas devotas, quando caem em êxtase, devem equivocar-se com frequência e tomar como revelação divina o que é fruto de sua própria imaginação. Não só as "mais devotas", mas as santas devidamente canonizadas, em número bastante elevado, tanto que a Santa Sé há séculos teve que proibir a publicação e arquivar partes das publicações de muitos santos (cf. De Servorum, 1. 3, c.53, n.17).
Pensamento não introduzido no raciocínio canônico por Bento XIV, mas muito mais antigo que ele, já havia preocupado o papa Gregório XI, que lamentava em seu leito de morte ter dado ouvidos a piedosos místicos que com suas visões o influenciaram a arrastar a Igreja para as margens de um cisma. Os místicos em questão provavelmente não seriam nada menos que Santa Brigida da Suécia, Santa Catarina de Sena e a Frei Pedro de Aragão.
Não existe qualquer consenso entre os santos visionários a respeito da idade da beatíssima Virgem Maria quando assunta à felicidade dos céus. Alguns afirmaram que tenha se dado quinze anos após a Paixão (Santa Brígida), outros são precisos na especulação imaginativa tomada como realidade e cravam vinte e um anos, quatro meses e dezenove dias (Maria de Ágreda), enquanto que outras - reparem, quase sempre mulheres - disputam entre treze anos (Anna Catarina Emmerich) e um ano e meio (Santa Isabel de Schoenau).
Há milhares de casos mais emblemáticos: Santa Francisca Romana teria recebido a revelação divina de que o céu era literalmente feito de cristal, e afirmava com veemência que tal reino cristalino estava situado entre o céu das estrelas e o céu empírico, cujo azul por nós avistado é devido ao céu corpóreo onde estão fixadas as estrelas (cf. Des Grâces d'Oraison, de pe. Augustín Poulain, capítulos 23 e 24).
Santa Catarina de Sena afirma ter sido Nossa Senhora mesma a lhe revelar que não havia sido imaculada em sua concepção, e o papa Bento XIV oficialmente endossa a hipótese de ocorrência da mais simples alucinação, desde que a idéia era de senso comum do ambiente social da mística. O pontífice é taxativo: "Magnis Hallucinationibus" (cf. De Servorum, 1. 3, c.53, n.17).
A beata Josefa Maria de Santa Inês, em um dia de carnaval, relata que Cristo apareceu diante dela, e, dirigindo-se ao sacrário daquela Igreja, dele retirou laranjas que lançava para a santa que se encontrava no côro (cf. Agustinos Amantes de la Sagrada Eucaristia, Pe. Corro del Rosario, p.212).
São Vicente Ferrer esteve convencido da grande proximidade do Juízo Final: "o que se afirmava nos séculos de uma maneira generalizada ou proverbial, eu o digo proprie et stricte loquendo". Não obstante a pertinácia, afirmava-se o próprio anjo anunciado pelo Apocalipse, além de que o Anticristo já houvera nascido havia nove anos. Tudo isto ele conclui com base em suas próprias visões e na de outras revelações particulares (cf. Apariciones, pe. Carlos María Staehlin, p.324 e 325).
Consta, enfim, que toda pessoa sã e equilibrada pode sofrer de ilusões e alucinações, especialmente mulheres e emotivos santos ou não-santos, como acabamos de demonstrar. As investigações de status canônico de situações dessa natureza estão amparadas e conferidas em primeiríssimo lugar às causas naturais.
Quando entre o povo se afirma que os santos não poderiam carregar doenças ou uma mente suscetível ao auto-engano, esquece-se que um sem número deles foram de fato neurastênicos, histéricos ou simplesmente desequilibrados de ocasião, como bem reconhece a mais ortodoxa doutrina católica. É grande o número de ignorantes que acreditam e espalham a idéia de que as alucinações internas e externas são exclusividade de uma pessoa doente, desprovida de juízo e senso moral. Não raro, os que se ocupam de tal desinformação advogam em causa própria e também se apresentam como místicos eleitos pelos céus, detentores de carismas, e abrem perseguição ferrenha à saúde pública e à pastoral psiquiátrica, lançando mão de livros que por questões de prudência jamais deveriam ter fim em suas mãos. Fora o aspecto evidentemente doente dos obstinados, resta patente sua incapacidade perante os princípios mais elementares da psiquiatria e na neurologia, fenômeno de emburrecimento coletivo que facilmente toma proporção entre outros tantos igualmente emocionáveis, fomentando o desenvolvimento do já imenso celeiro de católicos místico-demonistas do Brasil.
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